Medicina popular das raizeiras, benzedeiras e curandeiras

A medicina popular das raizeiras, benzedeiras e curandeiras pulsa em cada canto do Brasil profundo. São mulheres que curam com as mãos, com as palavras e com as plantas. Mulheres que não usam jaleco, mas vestem fé. Que não prescrevem fórmulas prontas, mas oferecem acolhimento.

Essas guardiãs carregam um saber ancestral que não se aprende em manuais acadêmicos. Na verdade, aprendem com o silêncio da mata, com a escuta dos mais velhos e com a fé que atravessa gerações.

A origem da medicina popular

A prática das raizeiras, benzedeiras e curandeiras é uma síntese viva da sabedoria indígena, africana e portuguesa.

  • Das comunidades indígenas, herdamos o conhecimento profundo das plantas, a leitura dos sinais da natureza e a noção de que corpo e espírito não se separam.
  • Das tradições africanas, trazidas à força nos navios da escravidão, veio a sacralidade das folhas, o poder dos rituais com água e o axé que se manifesta em rezas e cânticos.
  • Da cultura portuguesa, chegaram orações católicas, ladainhas e benzeduras que se misturaram às práticas locais.

Portanto, o que hoje chamamos de medicina popular é um caldeirão cultural, construído na resistência e na criatividade de povos que precisaram curar-se com os recursos disponíveis e com a força da fé.

O dom da cura e da escuta

Muitas vezes, o chamado espiritual dessas mulheres se manifesta ainda na infância. Elas contam que “nasceram com o dom” ou que receberam sinais em sonhos. Com o tempo, aprendem a reconhecer qual folha acalma, qual raiz fortalece, qual reza afasta o mal.

Além disso, sabem acolher. A medicina popular não é feita apenas de ervas, mas também de presença, escuta e amor. Trata não só da dor, mas também do vazio. Cura feridas que a medicina alopática não nomeia.

Exemplos comuns incluem:

  • Espinhela caída: dor nas costas e falta de ânimo, tratada com puxamentos e rezas.
  • Quebranto: mal-estar causado por inveja ou mau-olhado, tratado com ramos de arruda.
  • Mau-olhado e cobreiro: males energéticos que encontram cura no poder da fé e das folhas.

Assim, as raizeiras e benzedeiras são tanto médicas do corpo quanto parteiras da alma.

O papel social e comunitário

Em comunidades rurais ou ribeirinhas, onde o acesso à saúde pública é escasso, essas mulheres representam a linha de frente do cuidado. São elas que oferecem o primeiro atendimento, a palavra de conforto e o chá que alivia.

Entretanto, mesmo nas cidades, continuam sendo procuradas. Em meio ao ritmo acelerado da vida urbana, muitas pessoas buscam nelas um cuidado que vai além da consulta médica: o cuidado que integra espiritualidade e acolhimento humano.

Por isso, podemos afirmar que a medicina popular é uma rede invisível, mas essencial, de atenção básica e espiritual.

Reconhecimento e políticas públicas

Apesar de sua importância, a medicina popular muitas vezes foi invisibilizada e até criminalizada. A produção e comercialização de remédios caseiros enfrentou barreiras legais, e durante muito tempo essas mulheres foram vistas com desconfiança.

Por outro lado, políticas recentes começaram a reconhecer seu valor:

  • A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PNPIC), criada em 2006, incorporou saberes como fitoterapia, benzimento e práticas tradicionais ao SUS.
  • A Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos abriu espaço para a valorização de remédios caseiros e da biodiversidade.
  • Experiências documentadas pela Fiocruz e por universidades, como a UnB, registraram a atuação de raizeiras em territórios de saúde popular, mostrando como elas contribuem para o bem-estar de comunidades inteiras.

Consequentemente, mesmo que ainda haja desafios, cresce o reconhecimento de que essas mulheres carregam uma medicina que complementa e enriquece o cuidado oficial.

Saberes que protegem a biodiversidade

A prática das raizeiras não é apenas terapêutica, é também ecológica. Elas conhecem os ciclos da lua, os sinais da floresta e os limites da colheita. Colhem com respeito, nunca retirando mais do que a natureza pode regenerar.

Assim, tornam-se guardiãs das matas, das águas e das sementes. Preservam a biodiversidade e transmitem um saber que ensina a cuidar não só do corpo humano, mas também do corpo da Terra.

Essa relação íntima entre cura e ecologia aparece em muitos relatos: para cada dor, há uma folha. Para cada ferida, uma raiz. Para cada desequilíbrio, uma reza que se mistura ao vento.

Fé, tradição e cuidado como ritual

Tudo que essas mulheres fazem é ritual. A reza, o benzimento, o chá e o banho são feitos com intenção, entrega e fé.

Elas dizem que não curam por si mesmas, mas como instrumentos de Deus. Por isso, cada gesto é permeado pela espiritualidade.

Quem já passou por suas mãos relata algo de divino em seu toque, em sua voz e em sua presença. Muitas vezes, a simples escuta já cura, porque devolve dignidade a quem sofre.

Em resumo, essas mulheres não são apenas curandeiras de plantas. São também médicas da alma, parteiras do espírito e guardiãs do invisível.

A invisibilidade e a resistência

Mesmo diante do reconhecimento crescente, a medicina popular ainda enfrenta preconceito. Muitas raizeiras relatam discriminação, principalmente em espaços urbanos ou acadêmicos.

No entanto, essa invisibilidade é também resistência. Cada vez que uma benzedeira reza para uma criança com quebranto ou que uma curandeira prepara um chá para aliviar a dor, reafirma-se a potência de um saber que sobreviveu à colonização, à perseguição e ao esquecimento.

Portanto, a medicina popular é mais do que uma prática de saúde: é um ato político de resistência cultural e espiritual.

Enquanto houver fé, haverá cura

A medicina popular das raizeiras, benzedeiras e curandeiras é parte da identidade brasileira. Ela revela um modo de cuidar que integra corpo, espírito, comunidade e natureza.

Tudo que elas fazem é ritual. A reza, o benzimento, o chá, o banho, tudo é feito com intenção, com entrega, com fé.
Elas dizem que não curam por si mesmas, mas como instrumentos de Deus. E quem já passou por suas mãos sabe: há algo de divino em seu toque, em sua voz, em sua presença. Essas mulheres são médicas da alma, parteiras do espírito, curandeiras do invisível. E enquanto houver fé, haverá quem as procure. Portanto, enquanto houver dor, haverá mãos estendidas em silêncio.

Como diz o povo:

“Enquanto a medicina cura o corpo, a reza cura a alma.”

 

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